sábado, abril 01, 2006

Não tenhas medo.
Alguém vela por ti…



O CORPO DOS CONDENADOS
Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão publi­camente (...) um executor… atenazou-lhe primeiro a barriga da perna direita, depois a coxa, daí passando às duas partes da barriga do braço direito; em seguida os mamilos. Este executor, ainda que forte e robusto, teve grande dificuldade em arrancar os pedaços de carne que tirava em suas tenazes duas ou três vezes do mesmo lado ao torcer, e o que ele arrancava for­mava em cada parte uma chaga do tamanho de um escudo de gela libras.
(…) Damiens, que gritava muito sem contudo blasfemar, levantava a cabeça e se olhava; o mesmo carrasco tirou com uma colher de ferro do caldeirão daquela droga fervente e derra­mou-a fartamente sobre cada ferida.
(…)tiraram cada qual do bolso uma faca e lhe cortaram as coxas na junção com o tronco do corpo… a seguir fizeram o mesmo com os braços, com as espáduas e axilas e as quatro partes; foi preciso cortar as carnes até quase aos ossos.

(…) Dentre tantas modificações, atenho-me a uma: o desapareci­mento dos suplícios…Punições menos directa­mente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação… desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal.
A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena.
A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do pro­cesso penal, provocando várias conseqüências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata… Por essa razão, a justiça não mais assume publica­mente a parte de violência que está ligada a seu exercício.

O suplício penal não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vitimas e a manifestação do poder que pune… Nos «excessos» dos suplí­cios, se investe toda a economia do poder.

O suplicio judiciário deve ser compreendido também como um ritual político. Faz parte, mesmo num modo menor, das cerimónias pelas quais se manifesta o poder.


(in Vigiar e Punir, Michel Foucault )


Para que não tenhamos medo, alguém vela por nós enquanto dormimos.

15 Comentários:

Blogger isabel mendes ferreira disse...

...quem dera....quem dera que sim.....


belíssimo post.


um beij__________________O!

8:10 p.m.  
Blogger Teresa Durães disse...

E o medo vem do interior ou do exterior?

(pelo exterior age-se, a propósito de um comentário no meu blog :P, pelo interior, o que se faz? eheheh, não resisti!!)

10:17 p.m.  
Blogger Ant disse...

Teresa, age-se sempre, digo eu...
Mas a vigilância anda cada vez mais apertada.
Ó admirável mundo novo... agora o suplício do corpo é substituído pela dor da alma, em segredo. Cada vez mais.

2:11 a.m.  
Blogger © Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

...Dizem que sim, que alguem vela por nós durante a noite...

...mas tem dias que acho que ele (o anjo da guarda) adormece também e não me liga nenhuma...

...valeu o teu texto...

11:16 a.m.  
Blogger Teresa Durães disse...

Ant,

No post era o que falava. Quando a alma doi em segredo nem sempre pode-se agir de imediato.

(mas mudando de assunto...)

Penso que era bom que alguém velasse por nós enquanto dormimos mas, infelizmente, nem sempre acontecesse (embora o diga aos meus filhos)

7:05 p.m.  
Blogger Ant disse...

A vigilância é muitas vezes seguida de alguma punição.
O erro foi meu deveria ter posto "vela" ou "zela".
É um livro a ler para quem não teve oportunidade.

10:48 p.m.  
Blogger Araj disse...

Qual é a pior violência, a física ou a psicológica? Julgo ser a psicológica...

11:52 p.m.  
Blogger Caiê disse...

Não, acho que ninguém vela por nós, nem quando dormimos quem quando estamos acordados. Houve um tempo em que acreditei nesse guardião, depois vi que, mesmo ele, é impotente para combater a doença e a dor extrema quando eles chegam. A vida é dura mas é só o que temos.

2:48 a.m.  
Blogger Caiê disse...

eles não... elAS. caio de sono... ;)

2:48 a.m.  
Blogger Ant disse...

araj, experimenta "psicologicamente" levares uma boas bordoadas na cabeça e depois diz qualquer coisa.
caiê o teu esfoorço merece que te diga que não é desse guardião que se trata. É dos outros, dos maus... era para ser uma ironia.

9:45 a.m.  
Blogger Joanissima disse...

... e tu velas por mim, que eu sei... obrigada pelo teu mimo... : )


Um beijo.

2:12 p.m.  
Blogger Winterdarkness disse...

Este texto ficou forte: acho mesmo que pode causar até arrepios... Tem uma boa semana! Jokas

6:31 p.m.  
Blogger Ant disse...

E insistem. Bolas.
Vocês leram o texto verdadeiramente? Desconfio que devo ter errado algures... ou não...

12:09 a.m.  
Blogger greentea disse...

ainda bem q alguém toma conta de nós enquanto dormimos, ant

beijinhos. dorme descansado

12:21 a.m.  
Blogger Winterdarkness disse...

Ok vou ler o texto mais uma vez com atenção.

10:41 a.m.  

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