sexta-feira, março 16, 2007

O mais longo adeus…

Pensava que tinha perdido a inocência quando bati com a porta e saí à procura de uma nova felicidade.
Pensei que a ingenuidade se tinha gasto nesse momento, breve, nesse instante em que, do lado de for a, olhei a madeira que me separava de um tempo já ausente.

Pensei tantas coisas…

Foi preciso o outro adeus, mais doloroso, mais libertador, também, para entender que afinal a inocência se tinha perdido naquele último esgar de raiva e de tristeza – eu não os consegui nunca separar –, para entender que afinal ainda guardava uma réstia dessa inocência já inadmissível.

Então olhei para o mundo e o meu olhar era um outro olhar.

Sôfrego de vida, alimentei-me de momentos efémeros. Deixei-me errar ao sabor do éter, do sol, da noite.

Andei por mesas de fumo, de álcool, de putas, de sorrisos fáceis, de toques inócuos. Enganei e fui enganado. Corrompi e fui corrompido.

No meio desta viagem aprendi a parar o tempo. Como fotografia ou pintura, retive na mente os instantes. Arquivei-os numa qualquer gaveta onde os posso ir consultar, onde me interrogo, onde me afirmo.
Empiricamente, que de científico apenas tenho as minhas razões, a minha vontade, adivinho as consequências de todos os actos.
Sei. Apenas sei que sei. E é por isso que também tenho a certeza de que as minhas certezas apenas são minhas. É a minha prerrogativa.

Um dia saltei do anonimato e quis dançar ao som de novas músicas.
De algum modo encontrei par e perdi e encontrei e perdi e encontrei… e perdi… e encontrei…

Mas no fim da dança fica a sala vazia.
Encontrei o repouso no meu quarto mais escuro.
Encontrei um novo recomeço.
O fim de um tempo é sempre o início de uma nova viagem.
Escolhi o regresso às origens de um eu que se tinha escondido numa cama confortável e macia.
Decidi construir o meu próprio leito e fazer a cama com os lençóis que eu próprio escolhi.

Agora, um passo de cada vez, sempre longe das paixões – cruéis porque ilusórias e fátuas – caminho para os limites da consciência, para as margens da vida.


E este último adeus é o mais sincero e doloroso de todos.
Renascer implica abandonar.
Já não me visto de branco. O negro combina melhor com a partida.

Fica-me a cumplicidade de um piscar de olhos.
… O passado é uma mancha… o futuro a miragem do desejo…



(Fotos: Ant, Luís Neto, Luís António Alves, Paulo de Sousa e Google)

6 Comentários:

Blogger Catraia_Sofia disse...

Li as tuas palavras de uma só vez... e nada mais posso dizer perante uma forma tão sentida de expressão! Por isso deixo um beijo e vou reler de novo, e de novo...!

7:33 da tarde  
Blogger Marta Vinhais disse...

E, eu fico sem saber o que pensar...
Estou dividida - muito; de repente, fiquei com vontade de chorar...Profundamente!!!
Releio depois; agora não consigo!!
Beijos e abraços
Marta

9:06 da tarde  
Blogger Unknown disse...

Ok, um bom princípio de autobiografia, de uma qualquer autobiografia de alguém, e o princípio porque ainda falta muito viver para essa biografia final, não póstuma, não precoce, como todos desejamos que seja, auto.

Aquele abraço de sempre

2:40 da tarde  
Blogger as velas ardem ate ao fim disse...

Riubaste me umas lagrimas.

bom renascer Ant!

bjinho

7:52 da tarde  
Blogger Ni disse...

«(...)Agora, um passo de cada vez, sempre longe das paixões – cruéis porque ilusórias e fátuas – caminho para os limites da consciência, para as margens da vida. (...)»

...
Estas palavras olharam-me de frente, como memória avivada do presente. Senti-as como um grito face a um espelho.
Reconheceram-me, as tuas palavras.

Ni*

1:40 da manhã  
Blogger inBluesY disse...

Um BJ

li de uma só vez, pq seria impossível parar.

Gostei

8:56 da manhã  

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